Os Projectos
A Revista Concilium
Frei Mateus Cardoso Peres O. P.

O tempo em que se prepararam e realizaram  as sessões do Concílio Vaticano II e se elaboraram os documentos conciliares foi, particularmente para os grandes obreiros desses textos, os peritos conciliares -há já alguns testemunhos muito significativos -- um tempo muito especial. Alguns  dentre eles tinham conhecido, nos anos imediatamente anteriores, o ostracismo e o silenciamento, e era-lhes agora dado fazer uma experiência de integração eclesial ao mais alto nível e a todos era dado viver, com todos os seus avanços e recuos, num extraordinário momento da vida da Igreja, uma grande aventura de criatividade, abertura e colaboração.

Foi neste clima que nasceu, de forma bastante ampla, mas indiscutivelmente ligado aos proponentes das teses mais inovadoras do Concílio, o projecto de uma revista internacional de teologia, que veio a ser a Concilium, para difundir, aprofundar e explicitar as contribuições conciliares, que numa palavra, institucionalizasse aquilo a que se poderia chamar o "magistério dos teólogos".

Publica-se a partir de Janeiro de 1965, todos os meses, com excepção dos meses de Julho e Agosto: num total, portanto de 10 números anuais. Cada um desses números é dedicado a um dos grandes sectores do saber teológico e organizado por uma equipa especializada. Assim, em Janeiro aparecia o número dedicado ao Dogma, em Fevereiro era a Liturgia, em Março a Pastoral, em Abril o Ecumenismo, em Maio a Moral, em Junho os Problemas-Fronteira, em Setembro a História da Igreja, em Outubro o Direito Canónico, em Novembro a Espiritualidade e em Dezembro a Sagrada Escritura. Deve acrescentar-se que cada uma destas publicações era da responsabilidade de um director e, em cada caso, de um conjunto de colaboradores. Para que conste e melhor se possa avaliar da importância e do impacto da publicação, aqui fica a lista dos directores, responsáveis pela redacção: para o Dogma. E. Schillebeeckx, tendo como adjunto B. Willems, ambos da Holanda; na Liturgia, J. Wagner e como adjunto H. Hucke, ambos da Alemanha; no Ecumenismo Hans Kung e como adjuntos Walter Kasper e H. J. Schulz, todos da Alemanha; na Moral F. Boeckle, Alemanha e como adjunto C. van Ouwerkerk, da Holanda; nos Problemas-Fronteira, J.B. Metz e como adjuntos W. Broeker e W Oelmuller, todos da Alemanha; na História da Igreja, R. Aubert, da Bélgica, e como adjunto A. G. Weiler, da Holanda; no Direito Canónico, eram directores T. I. Jimenez Urresti, Espanha e Mgr. N. Edelby, Síria e como adjunto P. J. M. Huizing, de Itália; na Espiritualidade, Ch. Duquoc, e como adjunto, C. Geffré, ambos da França; por último, na Sagrada Escritura, R. E. Murphy, dos Estados Unidos, tendo como adjunto B. van Iersel, da Holanda. Todos os directores das secções eram membros  do Conselho da Direcção, mas deste faziam também parte alguns outros nomes de grande prestígio, como Congar, K. Rahner, H. de Lubac, P. Benoit, C. Colombo e outros.

Cada número, que compreende editorial, artigos, boletins vários, documentação e crónica da Igreja viva, e que vale por si mesmo, representa, sem sombra de dúvida, um conjunto de trabalhos de grande qualidade e significado, com marcada unidade de orientação e propósito entre todas as secções; em suma, foi indiscutivelmente um empreendimento como muito de inédito, que fez história, no sentido literal do termo, e um grande sucesso editorial. A actualidade do Concílio, a novidade das suas propostas, as perspectivas que se abriam, tudo se juntou para congregar em torno deste projecto um interesse muito para lá das fronteiras dos habituais estudiosos de teologia. Esse aspecto, o visar, à partida, um público muito mais vasto, traduziu-se, entre outras coisas. no propósito de fazer da Concilium uma revista internacional de teologia. Internacional não só pela direcção e colaboração – embora a esse nível se possa falar de um acentuado peso da Europa das línguas germânicas, mas dadas as circunstâncias e as origens, não seria possível outra coisa – mas internacional também pela edição nas várias línguas.

Com efeito, a Concilium começou a ser editada, em edições idênticas quanto ao conteúdo e simultâneas, na Alemanha (Mathias Gruenewald Verlag, Mainz), na Holanda (Paul Brandt, Hilversum), na Espanha (Ediciones Guadarrama, Madrid) nos Estados Unidos (Paulist Press, Nova Iorque), na  França (Maison Mame, Tours-Paris), na Grã-Bretanha (Burns and Oates, Londres), na Itália (Editrice Queriniana, Brescia) e na Suíça ( Verlagsanstalt Benziger, Einsiedeln).

E em Portugal, pela Livraria Morais. E também isto é, segundo creio, perfeitamente inédito: que um empreendimento deste montante científico e cultural, tivesse, desde a primeira hora e com uma regularidade exemplar a sua edição portuguesa merece ser assinalado. Por que motivo pareceu conveniente, desejável mesmo uma edição portuguesa, não o sei dizer, mas uma vez isso assente, que se tenha pensado na Livraria Morais para a realizar, é bem mais fácil de entender, se nos lembrarmos dos contactos e do prestígio  de que a Morais gozava além fronteiras. Creio da mais elementar justiça, neste campo, lembrar o António Alçada Baptista, as suas imensas relações de amizade e cumplicidade, o seu enorme jeito inato de relações públicas, que muito terão contribuído para que a edição portuguesa da Concilium tivesse sido confiada à Morais. Com maioria  de razão, impõe-se recordar a Helena Vaz da Silva, que ao serviço da Editora, participou na operação de relações públicas e, além disso, foi a grande responsável por todo o trabalho que, mês após mês, assegurou, com eficiência e profissionalismo, a aparição correcta e pontual da Concilium em português.   A ela caberia, mais do que a qualquer outra pessoa, relembrar essa grande aventura. Que isso já não seja possível, infelizmente, serve para tornar claro que, ao contrário do que se repete, pelo menos algumas pessoas são insubstituíveis.

Fazia parte, segundo percebi, das regras de funcionamento interno da Concilium, por cada edição em língua moderna, associar um teólogo da mesma nacionalidade ao Conselho de Direcção. Consultada sobre este ponto, a Livraria Morais lembrou-se de propor. E foi assim que o meu nome foi incluído na lista dos membros da Direcção, no meio de todos aqueles nomes justamente famosos, pela obra feita e publicada, pelo empenhamento conciliar, por  tudo, o nome de quem apenas iniciava uma modesta carreira de ensino teológico. Algo embaraçante. De facto, o trabalho que assumi, e ao qual  associei, desde a primeira hora dois  dos meus  irmãos dominicanos, fr. Raimundo Duarte de Oliveira e fr. Bento Domingues, consistia fundamentalmente em assegurar a autenticidade e  a qualidade dos textos portugueses, isto é, rever todas e cada uma das traduções, particularmente nas suas  implicações teológicas.

Na década de 70, a Concilium, que  sempre  se mostrara especialmente interessada no mercado brasileiro, mudou a edição em língua  portuguesa para o Brasil, para a Editora Vozes, onde ainda hoje se  publica.

Não é fácil, não é mesmo possível fazer um balanço de uma experiência tão nova  e tão original, sobretudo nos   seus primeiros anos e no seu impacto em Portugal.  Resta, pelo menos, reconhecer que, graças à iniciativa e à competência das pessoas mencionadas, a Livraria Morais tornou possível viver e acompanhar, entendendo-o, o grande evento do Concílio, e, em larga medida do pós-Concílio.  Se se soube aproveitar essa possibilidade é mais  difícil de dizer: seguramente numa certa escala, uma   escala não desprezível, assim foi.

Pelo menos, em aspectos muito significativos  de  um dos mais importantes acontecimentos  religiosos e culturais  do século XX, o público português não ficou à margem da História.