Fundação Oriente
Carlos Monjardino

Depois de abandonar a direcção do Instituto Português do Livro, António Alçada Baptista ingressou na Fundação Oriente onde permaneceu até 2008, primeiramente como Vogal do Conselho de Administração, funções que exerceu até atingir o limite de idade, em 1992 e, a partir dai com funções não executivas, como consultor da Fundação. Tive, por isso, o privilégio de com ele lidar diariamente, num convívio que fortaleceu a nossa antiga amizade.

Lembro-me da sua primeira reacção quando, num jantar em casa do Manuel José Homem de Mello, o desafiei para integrar o Conselho de Administração da Fundação Oriente. Confidenciou-me estar surpreendido, por nunca ter, anteriormente, recebido um convite semelhante, e hesitante, por recear não estar à altura. Lá o convenci, dizendo-lhe que se alguém estava à altura do cargo era, seguramente, ele.

Ao longo da sua vida o António sempre foi discreto, um anti-herói como já ouvi chamar-lhe. Era impossível que alguém mantivesse com ele uma atitude hostil pois ele era um homem bom, que a todos respeitava. Manteve este jeito durante a sua passagem pela Fundação Oriente, mas numa atitude de abertura de espírito, de inconformismo, de afectividade e de solidariedade, características da sua personalidade.

Como seria natural, António Alçada Baptista esteve, desde sempre, muito ligado à actividade editorial da Fundação Oriente, à qual muito se dedicou. Pela sua mão foram consideradas muitas iniciativas neste sector, quer actividades da própria Fundação, quer propostas de inúmeras publicações que não chegariam a ser realidade se não tivessem recebido o apoio que permitiu a sua edição.

À semelhança do que no âmbito do Instituto do Livro tinha realizado com sucesso em África, envolveu-se entusiasticamente na organização da I Feira do Livro Português de Pangim em 1992. Nessa ocasião visitou Goa pela primeira vez, incluído na comitiva do senhor Presidente da República na sua visita à Índia.

Na organização da segunda edição desta feira, no âmbito da inauguração da delegação da Fundação Oriente na Índia em 1995, o António deslocou-se novamente a Goa e então pude assistir à força da sua paixão por esta terra, ao fascínio dos trópicos, lembranças das suas vivências no Brasil. Deambulou por Goa, visitou instituições, conviveu com as pessoas, enamorou-se pelos ambientes e ali deixou muitos amigos. Senti que teve pena de não ter visitado Goa muito mais cedo e, certamente para recuperar um tempo perdido, nunca deixou de ser enfeitiçado por aquela terra.

Director da revista Oriente desde o primeiro número, António Alçada Baptista manifestou uma enorme disponibilidade para encontrar soluções. Não era um orientalista - nem nunca pretendeu sê-lo - mas era acima de tudo um humanista com relações afectuosas, conhecedor da vida e das pessoas, fomentador de equilíbrios, avesso a burocracias. Foi assim que ele desempenhou a direcção desta revista até nos deixar.

Mesmo depois de ter atingido o limite de idade, o António não deixou de se deslocar quase diariamente ao gabinete que manteve na Fundação, na Rua do Salitre, onde continuámos a manter a cumplicidade da nossa amizade.

O António encontrava pretextos para conversar comigo e, diariamente, durante anos, passava pelo meu gabinete onde a sua permanência era um conforto de que eu hoje sinto muita falta. Admirável contador de histórias, com recordações pessoais muito ricas, o António transformava as conversas numa surpreendente visita às nossas memórias, à procura de nós próprios.

Qualquer homenagem que prestemos a António Alçada Baptista será sempre um preito à sua vida, nunca uma lembrança da sua morte. Ao folhear os seus livros estou ainda a ouvir a sua voz; ao recordar memórias estou a senti-lo a meu lado; ao relembrar as suas histórias estou a ver pedaços da minha vida.

A sua presença continua intensamente viva em cada um dos seus muitos amigos.

Carlos Monjardino
Presidente do Conselho de Administração
FUNDAÇÃO ORIENTE